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E tudo mudou, há 40 anos...

Geada Negra completa quatro décadas; fenômeno mudou o perfil da economia
do Oeste Paulista e acelerou o processo de migração da população

Everton Santos (*)

Em um 18 de julho, ao amanhecer, milhares de pés de café foram devastados por uma das mais intensas geadas registradas na região. O fenômeno natural, registrado em 1975, reduziu drasticamente a área cultivada e, nos anos seguintes, acelerou processos de êxodo rural, empobrecimento e desemprego, além de outras significantes transformações econômicas e demográficas que fazem da região Oeste o que ela é hoje.
A potente onda de ar frio de 1975 atravessou completamente a linha do Equador levando queda de temperatura em Estados como Amazonas e Roraima. Em Adamantina, a temperatura apresentou declínio de 26 graus e atingiu 3 graus negativos, inclusive com precipitação de neve em algumas cidades da região, segundo matéria publicada em 20 de julho de 1975, o jornal O Adamantinense.
A geada negra, como ficou conhecida em razão da detestável aparência das folhas dos cafezais, mudou a história de milhares de famílias. Estima-se que 2 mil pessoas eram empregadas diretamente na colheita, o que corresponderia à principal fonte de renda de 1,2 mil famílias.
Um reconhecido empresário adamantinense lembra que tinha acabado de adquirir 20 hectares de área recentemente plantada com café de uma tradicional família nipônica. Ele destaca que os dias anteriores da fatídica geada foram quentes e as noites, frias. “Protegemos o cafezal com palha de amendoim, mas não teve jeito”, destacou. “Foi tudo destruído pela geada, tudo foi queimado”.
A extensão dos prejuízos provocados pelos eventos da manhã de 18 de julho de 1975 também pode ser dimensionada por dados estatísticos. Apesar de a colheita daquele ano ter sido encerrada antes da geada, os pés foram praticamente dizimados e a colheita do ano seguinte reduzida quase a zero. “Os pés de café estavam bonitos, dava orgulho, mas no dia da geada eles amanheceram com as folhas todas queimadas e os mais novos somente com os troncos”, lembra.
O empresário, que leva o seu nome e o de Adamantina em seus produtos, destaca que a situação era desoladora, mas não desistiu do campo e buscou alternativas para arcar com os prejuízos. “Compramos umas terras em pleno cerrado catarinense, onde ninguém queria e começamos a plantar Brachiaria. Chamamos o gerente do banco e mostramos que tínhamos a pastagem, mas não o gado e ele deu um empréstimo do Pró-Terra que foi muito bom. Conseguimos superar a geada”.
Somente no município de Adamantina, 210 mil sacas de café eram beneficiadas ao ano, resultando em uma receita estimada em US$ 21 milhões, o correspondente a mais de R$ 66 milhões no câmbio atual, a 50% do orçamento anual da Administração Pública Municipal e 20% superior ao orçamento das Faculdades Adamantinenses Integradas – FAI, segundo cálculos efetuados pelo engenheiro agrônomo Takashi Yokoyama, chefe da Casa da Agricultura de Adamantina.
Na região, a cultura cafeeira também a principal atividade econômica, com mais de 33 mil postos de trabalho diretos e 20 mil famílias ligadas à produção do preciso grão, até então tratado a peso de ouro. “Os empregos indiretos eram bastante significativos no comércio, nas máquinas de beneficiamento de café, nas revendedoras de máquinas agrícolas, nas oficinas restauradoras de máquinas e implementos etc”, revela a pesquisadora Izabel Castanha Gil, em sua tese “Nova Alta Paulista, 1930-2006: entre memórias e sonhos. Do desenvolvimento contido ao projeto político de desenvolvimento regional”, apresentada ao Programa de Pósgraduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
O estudo elaborado pela doutora adamantinense, uma das mais ricas (e completas) fontes de informações sobre a região e seu desenvolvimento, confirma que a geada de 1975 não foi o único fator responsável pela mudança do perfil econômico regional, mas possivelmente o mais preponderante.
“Esse fenômeno climático provocou profundos impactos na organização econômica, social, espacial, e ambiental de todo o Oeste paulista. Registros meteorológicos apontam a ocorrência de outras geadas na porção Centro-Sul do Brasil, mas, seguramente, a de julho de 1975 trouxe efeitos mais nefastos” (Gil, 2007, p. 144).
Izabel Castanha Gil revela ainda que agrônomos de órgãos técnicos regionais entrevistados em seu estudo indicam, além da severidade meteorológica da geada de 1975, outros fatores preponderantes para a forte repercussão de suas consequências.
Mas não só o café sofreu com a geada negra, praticamente todos os cultivares foram afetados e a região, de economia basicamente agrícola, ingressou em um ciclo de escassez de empregos e empobrecimento, com consequente migração da população para as cidades, especialmente centros maiores.
Em matéria publicada em 20 de julho de 1975, o jornal O Adamantinense noticiou o fenômeno alarmante: “Não só o café, mas também as pastagens e plantações de verduras, leguminosas, cana de açúcar e similares sofreu consequências nefastas com a geada. As perdas nas plantações de tomate agora largamente cultivado nesta região foram totais. Apenas uns 10%, em média, dos tomates haviam sido colhidos, perdendo-se, portanto toda a colheita que seria de algumas milhares de caixas”.
O declínio do café não afastou totalmente o homem do campo e incentivou o início de outras atividades. Na microrregião de Adamantina, destaque para as culturas tradicionais, como algodão, feijão, milho, bem como a sericultura e fruticultura, além das áreas de pastagem, que foram ampliadas em área e em número de animais, principalmente para corte.
O ano de 1975 também foi um dos primórdios da indústria alcooleira. Em novembro daquele ano, como incentivo e alternativa aos produtores e também como estratégia energética para o País, o Pró-Álcool foi implantado, despertando o interesse pelo cultivo da cana-de-açúcar.
Os primeiros plantios de cana-de-açúcar para fins energéticos foram intensificados com a implantação das primeiras destilarias na região. No período de 1975 a 1980 foram implantadas as unidades Vale Verde S.A (em Junqueirópolis, 1978), Central de Álcool Lucélia (em Lucélia, 1978), Destilaria Califórnia S.A (em Parapuã, década de 1980), e Branco Peres Álcool (em Adamantina, na década de 1980).
Atualmente a cana-de-açúcar é a principal atividade agrícola em Adamantina, segundo levantamento da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, com 342 unidades produtoras (propriedades) e área cultivada de 16.737,2 hectares.
Se tudo mudou em 1975, Adamantina e a região vive momento distinto atualmente. O atraso provocado pela mudança do perfil econômico é, aos poucos, superado e a região vive momento de otimismo e perspectivas de crescimento populacional e econômico.
A população adamantinense pode estar vivenciando outro momento chave. A cidade que já é reconhecida como referência educacional na região, tem o dia 27 de junho de 2015 como um novo marco. Hoje com quase 34 mil habitantes, a cidade deposita suas esperanças de dias melhores na autarquia municipal de ensino superior FAI, que já é orgulho e iniciou – com muito sucesso – o primeiro curso de Medicina da Nova Alta Paulista.
A torcida é grande!


 (*) Everton Santos é publicitário e jornalista (MTb Nº. 34.016/SP)

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