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Diferenças...

Ventava frio, estava tarde, mas nada impediu o encontro de dois amigos em um ´buteco´ de esquina em uma noite qualquer. João e Emanuel não se encontravam em decorrência dos estudos de Emanuel.

Filho de família tradicional, fora estudar em uma cidade maior, onde fez cursinho para ingressar em uma faculdade, enquanto o humilde João – um pouco mais novo – sempre estudou em escola pública, mas dedicou-se aos estudos como única forma de escapar da violência que o cercava.

Passava das 2 da manhã e duas caixas de cerveja já haviam se esgotado, mas, nem mesmo o cheiro desagradável provocado por uma indústria tirou o animo da amigável conversa:

- Me conta Emanuel, quais seus planos? Pretende ingressar em uma faculdade?

- Sim João. Vou fazer qualquer curso, por aqui mesmo.

Surpreso com a resposta do amigo rico, João disparou: - Mas você sempre teve oportunidades. Fez cursinho. Não vai para universidade pública? Eu vou!

- Não. Isso é besteira. Vou ficar por aqui mesmo. Outro dia deixei cair minha identidade na frente daquela faculdade e fui aprovado no quinto vestibular... hahaha.

Não acreditando naquelas palavras, João citou diversas vantagens de um estudo sério, em uma instituição de credibilidade, com regras rígidas, docentes qualificados e sem custos.

Emanuel, como sempre, ironizou o amigo: - Você deve estar de brincadeira. Aqui tenho tudo de que preciso. Meus pais são influentes e não vou pagar a faculdade. Além disso, os professores não exigem muito. Posso passar de ano tranquilamente com um trabalhinho aqui e outro ali... não conheço um só que foi reprovado. E mais, alguns professores estão mais interessados em sair com as alunas do que ministrar aulas. Dia desses vi o caderno de uma amiga e a única coisa que tinha escrito era o e-mail e telefone de um professor... rsrsrsrs.

Chateado com a falta de consideração ao investimento feito pelos pais de Emanuel, João relata ter sido aprovado no melhor vestibular do país, para um dos cursos mais disputados.

- Já estou até procurando uma república. Mas é tudo muito caro.

- Você e suas ideologias! Faz faculdade aqui mesmo... depois que terminar o curso consegue uma vaga como professor. Só toma cuidado pra não engravidar uma aluna... isso também aconteceu aqui.

- Como? Está louco. – interrompeu João.

- Sim. Aqui as coisas se ajeitam. Teve até um caso em que a pessoa nem era graduada e estava dando aulas. Meu pai pode conversar com um dos “poderosos” e arrumar uma vaga pra você.

- Não. Isso não aceito. Acho que já bebeu demais. Vamos parar por aqui. Isso nunca aconteceria.

- Claro que acontece. A pessoa nem precisa ser muito influente. Basta ter um cargo, mesmo que não esteja ocupando, e está tudo certo.

João levantou da cadeira e despediu-se do amigo, extremamente aborrecido com aquilo que ouvira... Meses depois, no recesso escolar os amigos se esbarram em uma festa e como era de costume, aproveitaram a oportunidade para colocar a conversa em dia.

Emanuel, por pressão dos pais estava estudando medicina em uma faculdade da região – o pai conseguiu-lhe uma vaga entre os aprovados no vestibular –. Estava contente com as festas e facilidade encontrada. João, como sempre humilde, disse que sua família não havia conseguido arcar com os custos da faculdade e ele estava estudando em sua pacata cidade.

Os amigos se encontraram outras vezes durante as férias, mas foram afastados por suas profissões.

Dez anos depois, se encontraram no casamento de Raphaela, irmã de Emanuel. Dedicado, João assumiu a presidência de uma multinacional, casado, com dois filhos – um deles adotado – ficou surpreso ao saber que Emanuel estava desempregado e não podia exercer sua profissão por decisão do Conselho Regional de Medicina. Apesar das diferenças, continuam amigos.

* Este é um texto fictício. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Éverton Santos é diplomado em jornalismo e publicidade e propaganda

Comentários

Anônimo disse…
nada melhor que a ficção. Parabéns pelo texto. até
Henrique Toffoli disse…
mui bien! afiado! estava sumido e volto!! parabéns Everton .
Anônimo disse…
ééé... casos e acasos, ne? salve a "isenção da ficção"...
Sebar disse…
na ficção tudo é possível, até mesmo uma realidade sem mais e sem menos em terras provincianas...