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Jornalismo exige ética e cuidado

"A ética deve acompanhar sempre o jornalismo, como o zumbido acompanha o besouro". (Gabriel Garcia Márquez, escritor, na revista Caros Amigos).


Estava lendo um jornal de Adamantina dias atrás e fiquei preocupado com o direcionamento dado a uma matéria. O “provável responsável” por um acidente automobilístico havia sido identificado e tratado como sendo um assassino.

“Mas tudo indica que ele foi o culpado”, diriam os mais desatentos. Mas a situação é extremamente delicada e merece maior responsabilidade em sua divulgação.

Alguns fatos enfrentados durante minha atuação jornalística e até mesmo pessoal vieram à tona. Primeiro que a própria definição de acidente é isenta de autoria ou existe alguém, exceto homicida, que quer bater um carro?

O motorista “acusado” não estava bêbado e estava com cinto. Sua postura estava correta. Não havia motivo para ser execrado pelo autor da matéria, que aliás não é jornalista...

Além disso, há um detalhe muito importante a ser observado. Todo cidadão é inocente até que se prove o contrário (vide Constituição Federal). Esta é a famosa presunção de inocência.

Na prática isso não funciona. Basta consultar um advogado criminalista, por exemplo. São muitos os casos de pessoas presas em “em flagrante” ou processadas indevidamente. E, pasmem, apesar da Carta Magna, elas são obrigadas a “provar sua inocência”.

Quando não conseguem são condenadas. Na verdade, até mesmo quando provam são condenados. Lembram-se do caso da Escola de Base? O despreparo de uma mãe provocou o definhamento de uma família de inocentes...

Mas, voltando ao caso acima... O jornalista foi ético em identificar o “autor”? Atenha-se a um detalhe importante: não houve investigação, prova ou processo formal.

Os leitores podem até questionar a relevância das informações. A liberdade de expressão é garantida e não há cesura no Brasil... Mas qual há necessidade de citar o nome do cidadão? Não é suficiente informar as iniciais do motorista envolvido em um acidente ou, em outro caso, de um jovem acusado de roubar um idoso, com um revólver em punho?

Depois da perícia, da apresentação de provas que corroborem a inocência dos “acusados”, será dado o mesmo espaço: primeira página, com foto? Não seria melhor adotar o critério da presunção de inocência, mesmo que tudo indique o contrário naquele momento.

Em casos específicos, como o de ocupantes de função pública, a situação é extremamente contrária. Este cidadão tem obrigação de prestar esclarecimentos e sua conduta é pública enquanto estiver ocupando o cargo eletivo, por exemplo. Mesmo assim, é necessário destacar se há uma denúncia, uma condenação, se cabe recurso...

A imprensa é o principal aliado do cidadão ao denunciar as atrocidades, os desmandos e irresponsabilidades. Isso a confere credibilidade, mas exige ainda mais cautela e ética. Não basta apontar o dedo para este ou aquele, colocar uma foto enorme e (pré)julgar. Esta função é do Judiciário.

Reflita leitor. Pense antes de criticar um profissional que age com ética ao colocar somente iniciais de um cidadão (independentemente de classe social) vítima de uma fatalidade, de um acidente ou acusado por algum crime/delito. Afinal, um dia você pode estar em uma destas situações...
Everton Santos é publicitário e jornalista diplomado.

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